No artigo anterior, mostramos que a nossa rotina é composta de dois tipos de eventos: os que podem ser controlados por nós e os que não podem. E, entre os que podem ser controlados, há basicamente dois tipos de comportamentos que adotamos: os hábitos, que correspondem a cerca de 45% das nossas atividades diárias, começam por uma escolha consciente e tornam-se um padrão quase inconsciente (ou seja, automático) com o tempo e os que dependem de decisões cognitivas analíticas, ou seja, mais complexas e elaboradas.
Pois bem.
E por que saber isso é tão importante? Porque o nosso comportamento em certo(s) âmbito(s) pessoal(is) influencia amiúde os resultados que pretendemos obter em outro(s).
Vamos a alguns exemplos simples e práticos!
Exemplo 1: um indivíduo que é um excelente investidor (disciplinado, consistente nos resultados e com uma filosofia correta de seleção de ativos e de aplicação de recursos no longo prazo), mas que negligencia a própria saúde… isso impactará negativamente a qualidade de vida atual e a fase de usufruto da renda (gerada pelo patrimônio construído por anos e anos), podendo encurtá-la ou diminuir a liberdade física com restrições de locomoção, tratamentos de doenças e consultas médicas, desbalanceando o custo-benefício embutido no esforço de poupança e investimento em prol de um futuro mais tranquilo.
Exemplo 2: alguém que possui dinheiro suficiente para usufruir uma vida financeira plena, mas não tem tempo para se dedicar às coisas que ama em virtude do excesso de compromissos de trabalho não pode ser tido como um padrão a ser seguido. Uma maior disponibilidade de tempo para si e para o usufruto dos próprios interesses merece ser colocada sim como uma meta a ser alcançada no plano financeiro (em sentido amplo).
Exemplo 3: uma pessoa que detém tempo, saúde e é feliz com a atividade profissional exercida, mas que não possui recursos materiais (inclusive financeiros) disponíveis para protegê-la em cenários de adversidade – como uma situação de desemprego involuntário ou uma doença passageira – ou para “financiar” a realização dos próprios sonhos (que, sim, no mais das vezes custam dinheiro) vive certamente fragilizado diante da realidade.
Exemplo 4: alguém que tem dinheiro em abundância, tempo para gastá-lo, saúde física, conhecimento para manter o patrimônio construído, mas não lida bem com as próprias emoções é uma pessoa certamente com baixa qualidade de vida, pois vive em torno de angústias, medos, inseguranças e insatisfações.
São inúmeros os exemplos possíveis, mas a ideia está colocada.
INVESTIR, PENSANDO NO MELHOR PARA A NOSSA VIDA E NÃO APENAS PARA O NOSSO PATRIMÔNIO, DEMANDA UMA VISÃO INTEGRADA DE FINANÇAS PESSOAIS QUE NÃO SE SUSTENTA SOZINHA SENÃO QUANDO ACOPLADA A UM PLANO DE VIDA AMPLO, GLOBAL E QUE CAMINHA PARI PASSU COM OUTRAS DIMENSÕES HUMANAS ESSENCIAIS COMO A SAÚDE, A GESTÃO DO TEMPO, O CONHECIMENTO, AS EMOÇÕES E O CONFORTO MATERIAL.
Vamos aprofundar um pouco esse tema desenvolvendo os conceitos de saúde, gestão do tempo, emoções/sentimentos, conhecimento e recursos materiais (inclusive dinheiro) para entender por que é relevante assumir esse olhar global (com soluções mais complexas) ao invés de simplesmente “ajeitar” o orçamento doméstico e escolher os melhores Fundos ou ativos para aplicar o próprio dinheiro.
SAÚDE
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)[1], saúde é um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade.
Gozar de boa saúde, portanto, é pressuposto para uma maior longevidade (por meio da prevenção de doenças debilitantes ou mortais) e uma melhor qualidade de vida. Esses dois pontos são fundamentais, pois somos adeptos do investimento financeiro a longo prazo.
É difícil ser contrário à ideia de que a saúde é o nosso maior bem.
Se você investe pensando na construção de um patrimônio a longo prazo, é irracional não cuidar da própria saúde porque você estaria realizando um grande esforço de poupança hoje em detrimento de uma baixa qualidade de vida atual e de um menor tempo (com qualidade) de usufruto futuro. Faça valer todo esse esforço e cuide de si!!!
Segundo o Ayurveda[2] (conhecimento sobre a vida, em sânscrito), o sistema científico de medicina mais antigo de que se tem notícia e constantemente atualizado – surgido há milhares de anos no território onde está localizada a Índia –, existem tradicionalmente 3 (três) pilares da saúde, mas que, didaticamente, podem ser entendidos como 4 (quatro) pilares da saúde: sono, alimentação, movimento e silêncio.
Vamos falar rapidamente sobre cada um deles.
Em média, gastamos um terço da nossa vida dormindo: isso, por si só, revela que um sono ruim tem um impacto enorme em nossa saúde. Se dormimos mal, acordamos cansados, com pouca disposição e produzimos menos e pior durante o dia; isso sem dizer sobre a maior propensão a doenças que um sono ruim provoca. Portanto, não negligencie a qualidade do seu sono… se melhorá-la, você gerará efeitos benéficos a todos os períodos do dia e a todos os dias da sua vida.
E o que dizer da alimentação? Estamos vivos por dormirmos, respirarmos e ingerirmos os nutrientes necessários ao funcionamento do nosso corpo/cérebro. Precisa dizer algo mais?!? Coma bem e promova a sua saúde; coma mal e promova as doenças das quais irá sofrer… Isso não significa que seja fácil adotar hábitos alimentares saudáveis; passar a comer bem, no mais das vezes, exige uma reeducação alimentar longa e desafiadora.
A boa notícia é que, novamente, a decisão é nossa: trata-se de um evento controlável alimentar-se bem ou não. Somos nós quem escolhemos os alimentos que entram no nosso carrinho de supermercado, na despensa da nossa casa e no interior da nossa boca.
Sobre o movimento, é notória a importância de movimentar-se para manter e promover a saúde própria. Não por acaso o corpo humano possui músculos, ossos, tendões e articulações. Até mesmo a medicina moderna já provou por meio de inúmeras pesquisas os benefícios de uma vida ativa e da atividade física regular.
Ao contrário do que dizem, o corpo humano é muuuuito melhor e mais avançado do que uma máquina perfeita: o movimento moderado, constante e prazeroso não desgasta o corpo; ao contrário, fortalece-o, flexibiliza e protege. Movimento é vida!
Finalmente, o que dizer sobre o silêncio? Acho pouco provável que alguém que esteja lendo esse artigo discorde que saúde mental é fundamental. Pois bem. O silêncio (seja por meio da meditação, do relaxamento ou de outros métodos existentes) é fundamental para promover saúde mental e bem-estar físico.
Lembre-se: saúde é um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade. Ela é certamente um dos nossos melhores aliados para ajudar-nos a alcançarmos as nossas metas financeiras.
GESTÃO DO TEMPO
Algumas das frases mais comuns que ouvimos de amigos e conhecidos são: “não tenho tempo para nada”, “o dia deveria ter 48h para conseguir fazer tudo o que eu preciso ou gostaria”, “o bem mais escasso que existe é o tempo”, “não te liguei por falta de tempo”, “a vida tá corrida”.
Nesse contexto, é preciso dizer que não existe falta de tempo; o que existe é falta de prioridade.
Na prática, por ser impossível priorizar tudo, é necessário escolher. O bom dessa história é que nós não precisamos escolher sempre as mesmas coisas todos os dias… Com isso, é possível balancear os interesses com as obrigações pessoais e profissionais.
O tempo, todavia, possui uma característica muito particular: ele não volta, só corre para frente, escorrendo como areia entre os nossos dedos.
A saúde que se perde, no mais das vezes é possível recuperar (mesmo que a um alto custo financeiro e pessoal). O conhecimento que se esvai, pode ser readquirido. Os bens roubados ou perdidos podem ser reconquistados. Os sentimentos bons perdidos podem ser substituídos ou de alguma forma compensados. Já o tempo perdido é irrecuperável!!!
Sabe todo esse tempo que ficamos protelando para iniciar o planejamento do nosso futuro financeiro?!? Pois é, ele foi perdido, infelizmente; não é possível reavê-lo. Mas amanhã teremos uma nova chance!!! Não a desperdice. O futuro chega… e rápido.
Gosto muito de um trecho do depoimento do Ex-Presidente uruguaio José Mujica, inserido no documentário “Humano”, em que ele faz um paralelo entre o dinheiro e o tempo de vida. Basicamente, ele diz: “… quando eu ou você compramos algo, não pagamos com dinheiro… pagamos com o tempo de vida que tivemos que gastar para ter aquele dinheiro, mas com um detalhe: tudo se compra, menos a vida” (tradução própria).
Gerir bem o nosso tempo deveria significar viver a nossa MAIOR potencialidade HOJE ao custo de abrir mão do MENOR sacrifício pessoal e financeiro possível para atingirmos o patamar de independência financeira que tanto desejamos.
Quando estiver na dúvida se determinada atividade vale a pena em meio à imensidão dos seus afazeres e compromissos, há uma frase que talvez possa ajudar: tudo que não é um “sim” óbvio, deveria ser um “não” óbvio. Reflita sobre isso…
EMOÇÕES/SENTIMENTOS
As nossas emoções e os nossos sentimentos são aquilo que alimenta a nossa alma e que nos move todos os dias.
Eles(as) aparecem na escolha do prato de comida da nossa preferência, no projeto pessoal prioritário, nos amigos que nos esforçamos para encontrar, nos lugares que desejamos visitar, nos livros que selecionamos para ler. Em suma, perseguimos em regra (intuitivamente) aquilo que nos faz bem e nos traz algum prazer ou um estado de satisfação.
Um livro extraordinário que li há mais de 20 (vinte) anos e mudou a minha visão de mundo foi O erro de Descartez: emoção, razão e o cérebro humano do autor António Damásio.
Ele conta a história real de Phineas Gage, um jovem capataz americano de 25 (vinte e cinco) anos de idade que trabalhava na construção das famosas estradas de ferro interoceânicas dos Estados Unidos, em meados do século XIX, e que sofreu um acidente de trabalho ao ter o próprio crânio trespassado por uma barra de ferro de 1 (um) metro de comprimento. Ele não morreu, mas teve totalmente destruída a parte do cérebro responsável pelas emoções.
Isso fez um sujeito que antes era de fácil trato, disciplinado, planejador do próprio futuro, profissional comprometido e assertivo em seus objetivos de vida tornar-se desrespeitoso com os colegas, inconsequente socialmente, rude, indisciplinado, incapaz de aceitar conselhos e negligente com a vida futura, nunca mais conseguindo manter um emprego e alguma estabilidade social.
Esse é o ponto da nossa conversa em que aproveito para ressaltar que o dinheiro não é e nunca deverá ser o grande objetivo no seu planejamento financeiro e de vida. São os nossos valores, as nossas realizações e vivências, as pessoas que amamos e a busca pelos nossos sonhos os reais pilares que devem guiar-nos nessa trajetória!!! A não ser que você tenha certeza absoluta de que, nos últimos momentos de suspiro, você preferirá contemplar o valor do seu patrimônio (no extrato bancário ou de sua corretora) a estar ao lado das pessoas que mais lhe importam.
CONHECIMENTO
O que aconteceria se você perdesse todo o seu patrimônio repentinamente? Se a empresa onde você trabalha fosse vendida ou privatizada? Se a sua profissão se tornasse obsoleta ou substituível por alguma nova tecnologia? Se você sofresse um acidente que lhe impedisse de continuar a exercer a atividade que o remunera hoje? Se o seu mundo simplesmente ruísse a ponto de você não poder contar com nada nem ninguém a não ser consigo?
Em diferentes graus, essas possibilidades (que, espero, não aconteçam com você) colocariam um espelho à sua frente, de modo a tornar inexorável o fato de que, no fundo, nós dependemos apenas de nós mesmos para buscar forças e solução se precisarmos refazer completamente as nossas vidas.
E isso só é possível a partir da experiência profissional e pessoal que vivemos e o conhecimento que temos e amealhamos ao longo das décadas.
Esse é o poder do conhecimento! Ele nos acompanha independente do que ocorra conosco.
Não existe conhecimento desperdiçado. Em algum momento ele poderá ajudá-lo, e muito, na sua trajetória como investidor, ainda que você não veja a menor perspectiva atual de isso ocorrer neste momento.
A sua eventual falta de conhecimento sobre finanças e mercados hoje não deve ser um empecilho para iniciar no mundo dos investimentos.
É possível (e até provável) que você perca dinheiro se começar a investir no mercado de capitais com pouco conhecimento. Mas, acredite… é melhor começar a investir com pouco conhecimento e pouco dinheiro do que se aventurar no mercado de renda variável com pouco conhecimento e muito dinheiro.
Com o passar dos anos, o conhecimento adquirido e a experiência vivida como investidor só irá torná-lo(a) mais resiliente e preparado(a) para enfrentar as crises e tirar proveito delas por meio de condutas anticíclicas: ser um(a) dos(as) primeiros(as) convidados(as) a chegar e despedir-se no auge da festa.
RECURSOS MATERIAIS (INCLUSIVE DINHEIRO)
Como último entre os 5 (cinco) elementos da visão integrada sobre finanças, estão os recursos materiais.
É verdadeiro o ditado de que dinheiro faz dinheiro! Mas é preciso, no entanto, saber trabalhar o capital para que essa máxima seja válida.
Quantos bilionários da lista de pessoas mais ricas do mundo (ou do Brasil) da Revista Forbes chegaram lá depois de tornarem-se multimilionários após ganharem os maiores prêmios de loteria existentes? Eu não conheço nenhum…
Aliás, se há pessoas com chance de aparecer – em alguns anos – nas páginas policiais ou nos folhetins mais sensacionalistas da televisão são os ganhadores de prêmios milionários. O que vem fácil, normalmente vai fácil.
O conceito de “recursos materiais” deve refletir uma ideia bem mais ampla do que apenas dinheiro. Pense em tudo aquilo que lhe resguarda materialmente: a casa dos seus amigos e parentes, os lugares para os quais você viaja de férias, as praças e parques da sua cidade, o aconchego do seu lar, o mar ou a piscina onde você mergulha e relaxa, o conforto dos seus bens móveis, as roupas que o(a) aquecem no frio, o banho diário que o(a) relaxa, o carro que o(a) transporta, o dinheiro que o(a) sustenta, enfim.
Não é questão de ser materialista. Trata-se do simples fato de que vivemos em um plano material e todo bem que o(a) auxilia a prosperar deve ser valorizado.
Deixar-se usufruir pelo conforto material que o(a) cerca hoje é muito mais fácil do que amealhar milhões e pode ajudá-lo(a) como suporte emocional, psicológico e material, a atingir as suas metas financeiras.
Por isso que o nível de sacrifício da poupança material a ser voltada para os investimentos deve ser muito bem sopesada.
CONCLUSÃO
Essa visão integrada de finanças pessoais, que leva em consideração bem mais do que apenas o sucesso financeiro (refletido na geração de renda e construção de patrimônio), foi inspirada em uma palestra do economista Luiz Fernando Roxo, disponível no link https://www.ted.com/talks/luiz_fernando_roxo_riqueza_pessoal_uma_vida_antifragil.
Ela é um caminho possível – e o que eu, particularmente, escolhi –, entre tantos outros, para auxiliar a trilhar os passos em direção aos sonhos.
Sonhe!!! Como enfatizado no título, você merece bem mais do que abundância financeira (algo que eu realmente acredito)!!! 2022 está próximo e a decisão sobre o seu futuro financeiro, novamente, está em suas mãos. Só depende de você… Mas não se sinta só. Todos caminhamos juntos nas dificuldades, nos desafios e na prosperidade.
Dúvidas ou sugestões, escreva para o e-mail colunainvestimentosemercados@advocef.org.br. Esse é um espaço aberto a todos e sua colaboração é fundamental! Invista no seu futuro aprendendo a investir.
Marco Aurélio Panadés Aranha
Investidor há mais de 10 anos do mercado de capitais
Formado em Administração pela FGV e Direito pela USP
@marcoaurelioparanha (Instagram)
Advogado
[1] https://www.who.int/about/governance/constitution, acessado em 22/09/2021.
[2] https://vidaveda.org/, acessado em 01/10/2021.