Em homenagem às mulheres, contaremos no artigo de hoje um pouco sobre a instigante história da mulher, brasileira, investidora (do mercado financeiro brasileiro e global) e filantropa Eufrásia Teixeira Leite.
Mesmo que Eufrásia tivesse nascido hoje, ela ainda seria uma referência de independência, audácia, inteligência, beleza, dinamismo, elegância, centelha, sucesso e arrojo. Imagine o que ela representou há mais de 100 (cem) anos…
Nascida em 15 de abril de 1850 na Chácara que se transformou décadas depois no Museu da Hera (nome da planta trepadeira que recobre as paredes do Casarão), no Município do Vassouras/RJ, Eufrásia Teixeira Leite veio ao mundo como a filha mais nova (ao lado da irmã Francisca) do casal Joaquim José Teixeira Leite (um dos onze filhos do Barão de Itambé e sobrinho do Barão de Ayuruoca), comissário de café, e Ana Esméria Pontes França (filha de um dos maiores cafeicultores da região, Laureano Corrêa e Castro, que adquiriu o título de Barão de Campo Belo).
A então sinhazinha-moça cresceu em uma ambientação doméstica ligada ao café. Do lado da mãe (da família Corrêa e Castro), recebeu a influência da tradição dos cultivadores da fruta. Do lado do pai (da família Teixeira Leite), aprendeu o funcionamento, ou seja, o modus operandi do financiamento do mercado cafeeiro. Jovem da alta sociedade, ela percebeu educação formal de francês, etiqueta e piano.
Os historiadores acreditam que o pai de Eufrásia ensinou às filhas o seu ofício de Comissário de Café (espécie de banqueiro dos cafeicultores), prática incomum para as mulheres de então.
Com a morte prematura da mãe (no ano de 1871), do pai (no ano de 1872) e da avó materna (no ano de 1873), as irmãs Eufrásia e Francisca resolveram mudar-se para a Europa – mais exatamente para a cidade luz, Paris, núcleo urbano cultural do século XIX – a fim de superar a dor e os dissabores vividos na Fazenda em que sofreram tantas perdas afetivas em tão pouco tempo.
Nascidas em berço de ouro, aos vinte e poucos anos as irmãs herdaram uma fortuna significativa, o que lhes permitiria viver uma vida tranquila, com algum luxo e sem nenhum trabalho. Mas elas não se apaziguaram e passaram a atuar como investidoras nos mercados financeiros globais, multiplicando por várias vezes a fortuna familiar com o passar das décadas.
Nunca se casaram! Eufrásia, por opção.
Ambas viveram em Paris de 1873 até meados da década de 1920 (Francisca faleceu em 1899). Retornaram ao Brasil apenas em duas ocasiões durante esse longo período, até o retorno definitivo de Eufrásia poucos anos antes de sua morte.
O certo é que Eufrásia deixou sua marca para muito além do romance tórrido que viveu por 14 (quatorze) anos com Joaquim Nabuco (famoso abolicionista).
Até onde se sabe, ela foi a primeira mulher a investir no mercado de capitais brasileiro (sim, à época existia a Bolsa do Café) e uma das primeiras mulheres a investir na Bolsa de Paris. Infelizmente são poucas as fontes bibliográficas que detalham o seu talante financeiro, mas tudo leva a crer ter sido uma mulher de grande tino comercial e de larga visão (lembre-se que seu patrimônio sobreviveu à queda da Monarquia no Brasil, à 1ª Guerra Mundial e à Grande Crise de 1929, para citar alguns eventos históricos relevantes) e cuidava pessoalmente de todos os seus investimentos.
Eis um depoimento de sua mucama Cecília Bomfim: “Dona Eufrásia foi sempre quem cuidou dos seus negócios. Não parava o dia inteiro. Acordava, tomava banho e sentava-se na escrivaninha para trabalhar. Escrevia umas trinta a quarenta cartas por dia. Eu me sentava a seu lado e só ia botando os selos. Ela tratava pessoalmente de tudo e nunca precisou de procurador” (CATHARINO, Ernesto José Coelho Rodrigues. Eufrásia Teixeira Leite – Fragmentos de uma Existência. Vassouras: Ed. Autor. 2ª Edição. 1992. pp. 127/128).
Há relatos históricos que contam posteriormente ter ela instalado em seu Palacete um telefone com uma linha direta com a Bolsa de Valores de Paris para melhor gerir seus negócios, um luxo naqueles tempos. Foi notável o seu sucesso na gestão de seu portfólio de títulos e ações.
Prova disso é que na data de sua morte (1930), Eufrásia possuía títulos de dívida de vários países e ações de incontáveis empresas de variados setores como estradas de ferro, exploração de jazidas e minas de ouro, diamantes, carvão, ferro e petróleo, manufaturas agroindustriais, têxteis, indústrias de infraestrutura e de serviços públicos, aplicações nos setores de energia, bancário, portos e transportes urbanos.
Cabe exemplificar algumas das empresas em que investiu (e que constaram de seu inventário): Angola Diamants, The Shell Transport & Trading Com., Trust Franco Belge des Pétroles, Union Pacific Railway, Cairo Eletric Railway & Heliopolis Oasis, Chemins du Fer Sup, San Louis – San Francisco Railway Com., Nestlé & Anglo-Suiss Condensed Milk Com., Unilever, Banque de Paris et Pays-Bas, Crédit Suisse, Banco do Brasil, Banco Mercantil do Rio de Janeiro, Companhia Antártica Paulista, Cia. Docas de Santos, Cia. Paulista de Estradas de Ferro, Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Nos últimos anos de vida (contando com mais de 75 de idade), idealizou um empreendimento imobiliário (loteamento) no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro; mais um acerto evidenciado após a Crise de 1929, que arruinou muitas fortunas, mas não a de Eufrásia.
Ao fim, legou um patrimônio próximo a duas toneladas de ouro, o que equivaleria em torno de R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) no preço atual do metal.
Sem filhos ou esposo, Eufrásia decidiu doar toda a sua riqueza para causas e instituições com vocação educacional, social e de assistência em vez de deixar seus bens e direitos para seus tios e primos; sucessão patrimonial esta que ainda hoje produz frutos no Município de Vassouras.
Eufrásia nasceu rica de berço e morreu multimilionária pelo próprio talento financeiro!
Que surjam mais Eufrásias neste país tão assolado pela desvalorização e violência à figura feminina. Que o mercado de capitais seja cada dia mais tocado pelas mãos delicadas e governado pelas mentes brilhantes das mulheres. Que a Eufrásia nascida no século XIX seja um pingo do número de Eufrásias que nascerão no século XXI. Se esses desejos forem concretizados, certamente o futuro do Brasil será mais portentoso e mirífico!
Dúvidas, críticas ou sugestões, escreva para o e-mail colunainvestimentosemercados@advocef.org.br. Esse é um espaço aberto a todos e sua colaboração é fundamental! Invista no seu futuro aprendendo a investir.
Marco Aurélio Panadés Aranha
Investidor há mais de 10 anos do mercado de capitais
Formado em Administração pela FGV e Direito pela USP
@marcoaurelioparanha (Instagram)
Advogado