Advogada estatal é autora de livro sobre aspectos da legislação que completa quatro anos de promulgação em 30 de junho
A Lei de Responsabilidade das Estatais (13.303/16) é conhecida por trazer inovações nos processos de licitações, contratos e na governança corporativa das empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O texto, que completa quatro anos de promulgação em 30 de junho, apresenta uma série de mecanismos para incentivar melhorias, também, na transparência dessas instituições.
Para falar sobre a importância da legislação e explicar o surgimento da norma, a Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal (Advocef) conversou com a advogada estatal Renila Bragagnoli. Ela é autora dos livros “Lei n.º 13.303/2016: reflexões pontuais sobre a lei das estatais” e “O controle administrativo das empresas estatais: do Decreto-lei n° 200/67 à Lei n° 13.303/16 e, também, já contribuiu com a publicação de artigo na Revista de Direito da Advocef. Além disso, a mestranda em Direito Administrativo e Administração, é responsável por perfil no Instagram com conteúdos voltados ao universo da advocacia estatal e temas relacionados à Lei das Estatais e à carreira.
Apesar de a Lei das Estatais ser conhecida como uma norma de combate à corrupção nas empresas públicas, o texto é uma decorrência da Emenda Constitucional (19/1998), que já falava sobre a necessidade da edição de regime jurídico específico das empresas públicas, conforme explica Renila.
“Além disso, a lei é também um atendimento às próprias reivindicações das empresas estatais, que buscavam ter uma nova modelagem para realizar licitações e contratos menos burocráticas, mais eficientes, mais rápidas, mais inovadoras, mais modernas”, conta a advogada estatal.
Confira a íntegra da entrevista:
Apesar de defenderem os interesses das empresas, os advogados estatais, muitas vezes, também atuam em prol da sociedade brasileira, mesmo que de forma indireta, visto a relevância do papel social desenvolvido pelas empresas públicas. Qual a sua opinião acerca desse contexto?
Comecei a trabalhar numa empresa pública federal em 2009 prestando serviços jurídicos de uma forma mais destacada sem atuação no contencioso, mas me responsabilizando por todos os assuntos que envolvem consultivo/administrativo: licitações, contratos, ajustes e todas essas demandas internas que não envolvem litígios judiciais. Eu vejo, desde o início da minha experiência prática, que o papel das empresas públicas tem ficado latente, sendo, de fato, essencial, pois as empresas públicas, depois da publicação da Lei das Estatais tomaram um novo fôlego e se voltaram para o cumprimento de sua função social observando o interesse público, agindo em nome do Estado e não em nome do governo, agindo para aquilo que foram criadas. As empresas públicas são importantes vetores de desenvolvimento social do Brasil, a partir da execução de suas funções de uma maneira cada vez mais qualificada e especializada.
Qual a importância das empresas públicas para o Brasil?
As empresas públicas são instituições criadas como braço da Administração Pública, um braço que pode se favorecer das situações de mercado e das situações mais privadas para desenvolver, de maneira mais eficiente, as políticas públicas para as quais foram criadas. De maneira muito simples, as empresas públicas executam aquelas políticas públicas que foram classificadas como essenciais pelo Estado, seja por um Ministério, uma Secretaria ou pelo próprio Poder Executivo e seu condutor. As empresas públicas são, de fato, quem coloca a mão na massa e faz as políticas públicas acontecerem. De uma maneira muito ilustrativa podemos citar como exemplo o Auxílio Emergencial, que foi uma ideia gerada a partir de um chefe do Poder Executivo em razão da pandemia, mas foi executada pela CAIXA, uma empresa pública, de onde realmente o dinheiro passou da mão do Estado para o cidadão. As empresas públicas servem para executar de maneira primorosa, como têm executado ao longo desses anos, políticas públicas essenciais para o desenvolvimento da nação
Qual foi o contexto que deu origem à legislação das estatais? Por que foi necessária a criação dessa lei?
O contexto de publicação da Lei das Estatais coincidiu com o momento social em que o Brasil entrava numa luta muito grande contra a corrupção nas empresas estatais em razão de escândalos de corrupção em grandes empresas públicas no país. Apesar de a Lei das Estatais ter ficado conhecida como uma lei de combate à corrupção nas estatais, ela é uma decorrência da Emenda Constitucional (19/1998), que já colocava no artigo 173 da Constituição Federal que deveria ser editado o regulamento, o regime jurídico específico das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Apesar dela ter sido, também, uma resposta de combate à corrupção, ela é uma obrigação constitucional colocada pela emenda da Reforma Administrativa que já trazia a necessidade de um estatuto jurídico próprio para as empresas estatais, em razão das suas peculiaridades e em razão de sua importante e destacada atuação para a execução de políticas públicas.
O debate sobre a privatização tem sido cada vez mais fomentado e há quem defenda a desestatização para coibir casos de corrupção, por exemplo. Qual a sua opinião sobre esse tema?
A privatização e até a extinção de empresas públicas ou sociedades de economia mista são sempre temas que voltam à tona a partir de manchetes da mídia ou de falas de algum político, de algum gestor como forma de coibir atos de corrupção. Entendo que esse não é o caminho por vários motivos: o primeiro é que corrupção não é atividade só de empresa estatal, ela está onde existem pessoas! O que é preciso coibir são as atitudes antiéticas e não probas das pessoas, e não colocar nesse posto toda empresa estatal, formada por pessoas concursadas, comprometidas com o trabalho ético e pautado na integridade. Por essa razão e, também, por questões de prejuízo social porque, muitas vezes, as empresas estatais são as únicas formas que há Estado nos pequenos e mais distantes municípios. Então, por mais longe ou menor que seja o município, vai haver uma agência de banco estatal, uma agência dos correios, uma forma de empresa estatal que presta algum serviço de saúde, que muitas vezes as empresas privadas, em caso de privatização, não têm interesse de ir em razão dos altos custos e baixo retorno financeiro. Então, além de ser uma forma inócua de combate à corrupção – porque isso tem que ocorrer com as pessoas e não com as instituições –, a privatização também reflete um prejuízo social mesmo. Nesse caso onde grande parte da população, tão desassistida que já é, ficaria ainda mais à margem da sociedade sem qualquer forma de presença do Estado com a retirada de empresas estatais que estão lá nos lugares mais distantes do Brasil desenvolvendo ações e políticas públicas essenciais.
Quais foram as principais inovações trazidas pela legislação das empresas estatais, na sua opinião?
A Lei das Estatais é dividida em dois grandes blocos: a parte de governança e a parte de licitações e contratos. Sobre cada uma delas temos inovações relevantíssimas e muito importantes. Na parte de governança, eu destaco os requisitos mais rígidos e severos para a nomeação de um diretor ou membro do Conselho de Administração. São critérios técnicos, de experiência, que visam profissionalizar a gestão pública e fazer com que não haja indicação meramente política para atos de condução de gestão dessas empresas. Na parte de licitações e contratos, eu destaco todo um sistema novo de licitações e contratos, que pode ser moldado, inclusive, por cada estatal a partir do seu regulamento interno de acordo com a peculiaridade de cada empresa.
Um dos pontos que mais chamou atenção após a promulgação da Lei das Estatais foi a proibição de indicação política para o Conselho de Administração e para a diretoria. Depois de quatro anos de promulgação, como a senhora avalia a determinação prevista na Seção III da legislação?
Na minha opinião, o fato de a Lei das Estatais ter trazido requisitos mais rígidos para nomeação de dirigentes foi, sem sombra de dúvidas, a parte mais importante dentro do bloco de governança. Dessa parte que envolve gestão, administração das estatais e que vedou a indicação meramente política, a indicação como moeda de troca e que, infelizmente, tantas vezes ocorreu nas instituições, para mim, foi a coisa mais importante. Também destaco a criação do Comitê de Elegibilidade, que é órgão interno responsável por fazer a conferência dos currículos de cada indicado para saber se eles cumprem os requisitos mínimos apresentados pela lei. Claro que o parecer do Comitê é opinativo, mas vai pegar muito mal a indicação de um dirigente que tenha tido um parecer negativo do Comitê de Elegibilidade. Então, mais um ponto para a Lei das Estatais, que além de fazer a previsão de requisitos mais rígidos, severos, qualificados e profissionais, colocou, ainda, uma instância que faz essa conferência.
Na prática, o que a Lei das Estatais representa?
A Lei das Estatais representa não apenas o cumprimento ao dever constitucional de se editar os Estatutos das empresas estatais e sociedades de economia mista, ela representa mais do que o clamor social para proteger as empresas dos atos de corrupção. É também um atendimento as próprias reivindicações das empresas estatais que buscavam ter uma nova modelagem para realizar licitações e contratos menos burocráticos, mais eficientes, mais rápidos, mais inovadores, mais modernos, podendo fazer mix de institutos, relativizar institutos e até inovar nos seus regulamentos. É uma lei moderna, que não fica só restrita às licitações e contratos, fala muito sobre gestão, governança e o Brasil teve muito a ganhar. Inclusive, a Lei das Estatais está servindo de inspiração para outras legislações, para novos padrões e boas práticas em matéria de contratação e gestão pública.
A senhora é autora da obra “O controle administrativo das empresas estatais”, que analisa a evolução das formas de controle, desde edição do Decreto-lei nº 200/67, até os meios de fiscalização e controle aplicados na atualidade. Nessa jornada analítica, o que mais chamou a sua atenção nas mudanças ao longo do tempo?
Escrever essa obra foi uma jornada histórica interessante porque ela começa do Decreto-Lei 200/67 e vai até a Lei das Estatais passando por todas as instâncias de controle seja de disposições legais, seja de disposições constitucionais. O que chamou atenção é que apesar de serem tantos, os controles não foram suficientes para fazer um comando administrativo eficiente nas estatais. Isso aconteceu, inclusive, com a própria evolução da ideia de controle, pois ele não deve só se ater a meios e formas, precisa ver se o recurso foi aplicado de maneira a contento, não se o procedimento formal foi observado. Isso também é importante, mas tem que ver se a destinação final atendeu aos objetivos da estatal, sociais e das políticas públicas. Então, a própria evolução da ideia do que o controle deve controlar fez com que os métodos existentes até na Constituição fossem ineficientes em razão da função social cada vez mais difusa e qualificada das empresas estatais.
Não por outra razão, a Lei das Estatais apresentou novos mecanismos de controle, apresentou o compliance como uma figura importante para fazer essa gestão dos atos administrativos, a gestão das pessoas das empresas estatais e apresentou os requisitos de transparência e de publicidade. Tudo isso fomentando o controle social, conclamando as pessoas a participarem da atuação estatal, então essa jornada foi interessante por poder apresentar ao leitor que apesar de ter tantas formas de controle, elas não foram suficientes para controlar bem as empresas estatais, por isso que a Lei 13.303 apresenta, também, esse viés de governança como forma de cada vez mais controlar o que tem que ser controlado, apresentar o que tem que ser apresentado, e dar cada vez mais informações para que a sociedade seja inserida nesse contexto de controle dos gastos públicos.
Ainda pensando nessa linha do tempo evolutiva, quais os próximos passos com base na legislação das estatais? O que é necessário para otimizar as rotinas processuais e melhorar os índices de governança?
Apesar de ser muito relevante para as licitações e contratos e para a governança e gestão das empresas estatais, ela é uma lei muito recente, com quatro anos de publicação e apenas dois de vigência plena, então ainda tem uma certa dificuldade de adaptação, principalmente nas empresas com menos estrutura, inclusive as municipais e estaduais, porque a lei se aplica a todas. Agora que os órgãos estão começando a funcionar da forma como a lei colocou, atendendo os requisitos legais. Algumas estatais ainda não tinham todos os órgãos criados, então usaram o tempo de adaptação para estruturar a empresa, os Normativos, Códigos e Regulamentos que deveriam ser editados, então a partir do segundo ano de publicação que isso começou a ser obrigatório. Inclusive, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem acompanhado essa instauração não só do Regulamento de Licitações e Contratos, mas das instâncias de governança, dos sistemas de controle, da efetivação do programa de integridade das estatais. E eu acho que quando isso for amadurecendo no âmbito estatal e colocado como uma forma positiva para a sociedade vai ficar cada vez melhor a atuação das estatais, mas por ter quatro anos e por ser tão revolucionária e tão moderna eu acho que a lei das Estatais está caminhando bem.
A senhora tem uma participação muito intensa no Instagram, no perfil @advocaciaestatal, onde fala, entre outros assuntos, sobre o tema das licitações e contratos. Quais foram os benefícios práticos que a lei trouxe nesse sentido e qual a importância de disseminar esse tipo de informação?
O perfil advocacia estatal foi criado como uma forma de desmistificar os mitos que se propagam sobre as estatais: que é coisa de países subdesenvolvidos, que só tem corrupção, que não dão lucro. Com a publicação da Lei, eu senti a necessidade de falar um pouco sobre as inovações nas matérias de licitações e contratos porque é um novo sistema e, ainda que a lei tenha apresentado um método que rompe completamente com o padrão da Lei 8.666, ele ainda permite que cada estatal, de acordo com a sua necessidade, seu dia a dia e a realidade que vivencia, possa fazer previsões próprias no seu regulamento. Então isso é uma matéria muito rica porque cada regulamento varia de estatal para estatal. A ideia de compartilhar esse conhecimento de trazer essa nova legislação é de permitir que o acesso circule, de que as empresas com interesses de participar de licitações promovidas por estatais possam se capacitar de alguma forma rápida na internet, onde todo mundo tem acesso. Então comecei com essa ideia de destruir mitos e depois ficou um pouco mais profissionalizado e focado para essa parte de licitações e contratos, de fazer com que as pessoas tenham conhecimento das novas regras licitatórias para empresas estatais. E vejo que tem surtido efeito, apesar de cada vez estar mais demandada com isso, e ter mais responsabilidade ao publicar um conteúdo, porque, de fato, as pessoas precisam desse comprometimento por quem se propõe a disseminar conhecimento nas redes sociais.
Renila Bragagnoli é advogada da Assessoria Jurídica da Presidência da Codevasf, atualmente chefe da Unidade de Assuntos Administrativos –PR/AJ/UAA (consultivo administrativo) desde maio/2017, com atuação em processos administrativos sobre licitações, contratos, convênios, ajustes, Lei das Estatais e demais matérias envolvendo Direito Administrativo. Consultora interna na área de licitações e contratos de 2013 a 2017. Mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires – UBA (2019/2021). Foi Aluna Especial no Mestrado em Administração Pública – Políticas Públicas e Gestão Governamental – pelo Instituto Brasiliense de Direito Público/DF (2018). Tem Especialização em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração – Master in Public Administration pelo Instituto Brasiliense de Direito Público/DF (2018). Autora do Livro “Lei n.º 13.303/2016: reflexões pontuais sobre a lei das estatais” (ISBN 978-85-93826-07-8) publicado pela Editora JML, 2019 e do Livro “O controle administrativo das empresas estatais: do Decreto-lei n° 200/67 à Lei n° 13.303/16”, pela editora Letramento/Casa do Direito, 2020. Autora de artigos jurídicos. Palestrante. Professora.