O controle interno da administração direta e indireta, previsto no artigo 70 da Constituição, é uma imposição constitucional para fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das suas empresas estatais. Neste, a atuação dos advogados públicos é de suprema importância, não apenas para o setor público, pela capacidade de evitar casos de corrupção, mas igualmente para a garantia de segurança jurídica do setor privado, pela controlabilidade da validade dos atos praticados.
Não há melhor forma de propiciar o controle interno das estatais, como preconiza o artigo 70 da Constituição, do que assegurar a autonomia técnica do advogado público que nela oficie. Talvez a sociedade não se tenha dado conta do enorme avanço que representa este novo Código de Ética da OAB para o combate à corrupção no Brasil, diante da sua aplicação à advocacia no setor público, segundo os critérios aqui descortinados.
É fundamental que as carreiras de Estado sejam dirigidas por pessoas que a integram, que bem conheçam as dificuldades e tenham história e respeito pelas conquistas alcançadas. Nos dias que correm, porém, adicione-se ainda um papel que permita a integração das funções exercidas com o controle interno da Administração Pública, direta e indireta, mediante os valores da independência técnica e aqueles entabulados no artigo 70 da Constituição.
Com a entrada em vigor do novo Código de Ética, a Resolução 2, de 19 de outubro de 2015, a independência técnica dos advogados públicos assumiu a condição de valioso instrumento de controle interno da Administração Pública, e especialmente nas empresas estatais. Fruto dos esforços da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), significa uma conquista singular de toda a sociedade brasileira.
Segundo o novo Código de Ética da OAB, pelos artigo 2º a 8º, determinou-se a obrigação de observância do inteiro Código pelos “órgãos de advocacia pública, e advogados públicos, incluindo aqueles que ocupem posição de chefia e direção jurídica”. E o § 1º assegura que o “advogado público exercerá suas funções com independência técnica, contribuindo para a solução ou redução de litigiosidade, sempre que possível”. Nada que a Lei 8906/94 já não consagrasse, mas faltava explicitação clara e manifesta por parte da OAB, o que se deve celebrar.
Ao vir afirmado o valor de unidade da advocacia brasileira, princípio que deveria ser efetivado desde sempre, e nas suas máximas possibilidades, não importa se advocacia privada ou pública, de órgãos da administração direta ou indireta, a advocacia pública não se desnatura da sua condição primordial: de ser parte da advocacia. Por isso todas as prerrogativas da advocacia aplicam-se aos advogados públicos.
Alinhado com as boas práticas de proteção das finanças públicas, prescreve o Código de Ética da OAB que o advogado público exercerá suas funções com independência técnica, cuja atuação será feita na observância integral do parágrafo único do artigo 2º, como o inciso “VIII – abster-se de: a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente; b) vincular seu nome a empreendimentos sabidamente escusos; c) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana.”
Desse modo, os advogados públicos receberam amparo normativo para igualmente promover o controle interno, ao tempo que podem ser responsabilizados pelo Conselho de Ética por atos praticados no exercício das suas funções sobre eventuais descumprimentos do Estatuto, mormente pelo descumprimento do dever de independência técnica ou dos princípios assentados no referido artigo 2º do Código.
A autonomia funcional dos advogados que oficiam nos órgãos da administração direta ou nas empresas estatais, incluídos procuradores que atuam na administração pública direta ou indireta, é um direito da sociedade.
Ora, na medida que devem compromisso permanente à Constituição e aos valores que regem a profissão, os advogados públicos prestam contas não apenas pela qualidade técnica dos seus serviços jurídicos, mas também para evitar que sejam descumpridos atos normativos, ou pelo dever de zelar pela ética, moral, honestidade e a dignidade no exercício das funções públicas.
Inconteste a força normativa do Código, na medida que se afirma como aplicação dos artigos 33 e 54, V, da Lei 8.906, de 04 de julho de 1994 — Estatuto da Advocacia e da OAB. A dúvida é saber se o Código de Ética terá eficácia suficiente para impor aos gestores públicos essa nova percepção sobre os fundamentos da nova advocacia pública, com reforçados obrigações e deveres. Por isso, como forma de submeter a Administração Pública a este novo primado ético e jurídico, seria de extrema importância a edição de Lei ou até mesmo de Emenda à Constituição para assegurar a plenitude desta autonomia funcional e técnica da advocacia pública.
No momento, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional a PEC 82/2007 (PEC da probidade). Todavia, a advocacia estatal necessita ser incluída, a partir da PEC 145/2015, que a regulamenta, para assegurar amplo controle interno sobre administração direta e indireta, em conformidade com o quanto prescreve o artigo 70 da Constituição. Diante do expressivo poder econômico, político e social das estatais, justamente os advogados públicos que nelas atua devem ter garantias e prerrogativas para cumprimento das leis e da Constituição, prevenindo a corrupção e a improbidade em seu nascedouro.
A advocacia pública, integrada por advogados admitidos mediante concurso público, respeitadas as especialidades, inclusive os que atuem nas empresas públicas e sociedades de economia mista, nos níveis Federal, Estadual e Municipal, reclamam garantias à sua atuação. Ora, ao tempo que o artigo 70 prevê que o “sistema de controle interno de cada Poder” será exercido sobre entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, não se poderia afastar as estatais do tratamento de autonomia funcional da advocacia pública, ao tempo que este princípio possui também função de controle em matéria financeira.
Sabemos dos debates acalorados das distintas categorias, sobre os quais não tomamos partido e nem queremos ser parte, pois todas as motivações merecem elevado respeito. O que nos anima aqui é o valor do controle interno em favor da proteção do patrimônio público e do respeito às regras de proteção das finanças públicas e da responsabilidade fiscal; mas, também, a garantia dos particulares nas relações com as entidades da administração indireta, mediante confiança nos atos e na higidez dos procedimentos internos.
Neste particular, merece encômios a criação de garantias para a advocacia pública, assim como a demarcação dos princípios que regem a atividade desses agentes da probidade administrativa, como consta da proposta do parágrafo único ao artigo 132-A à Constituição Federal, a saber: “Os membros da Advocacia Pública são invioláveis no exercício das suas funções e atuam com independência, observada a juridicidade, racionalidade, uniformidade e a defesa do patrimônio público, da justiça fiscal, da segurança jurídica e das políticas públicas, nos limites estabelecidos na Constituição e nas leis pertinentes”. Esta disposição, a um só tempo, valoriza o “controle interno” (artigo 70 e artigo 74 da CF) das ações da Administração Pública e credencia a advocacia pública como instituição de Estado essencial e permanente.
A PEC 82/2007 até pode sofrer mudanças em questões periféricas, na extensão subjetiva e material que reconhecer o Congresso Nacional, mas nunca naquilo que é urgente e essencial ao Estado Democrático de Direito, que é o reconhecimento das garantias de defesa das suas prerrogativas e sua autonomia técnica da advocacia pública.
A eficiência do controle interno da Administração Pública é um predicado do Estado Democrático de Direito que demanda correta aplicação dos princípios de legalidade, legitimidade e economicidade no trato das finanças públicas, além da moralidade, impessoalidade e tantos outros. Reservam-se, assim, à advocacia pública, as expectativas quanto à prevenção de ilícitos e à promoção da segurança jurídica da atividade da Administração direta e indireta, mediante atos confiáveis e válidos.
Esta atitude consagra o império dos valores que regem as finanças públicas (artigo 70 da CF) na advocacia de Estado, cria um ambiente de compliance positivo e facilita a atuação do Estado nas relações com os particulares e com as instituições, de modo responsável e diligente. Daí ser imperioso incluir a administração indireta na PEC 82/2007, para aprofundar o combate à corrupção no seio das empresas estatais e propiciar segurança jurídica a todos aqueles que com estas possam interagir.
Em conclusão, estamos convencidos da oportunidade de se afirmar a independência técnica e funcional da advocacia pública como um valor inerente ao sistema de controle interno da atividade financeira do Estado Democrático de Direito. Não integrar essa nobre carreira de Estado, deveras, não obsta que todos estejam conscientes e comprometidos com a afirmação dos seus fundamentos constitucionais. Uma vitória maiúscula da advocacia brasileira, por meio do seu novo “Código de Ética”, a gerar vantagens e avanços vultosos para toda a sociedade, como importante instrumento de controle interno do ordenamento financeiro do Estado.
Heleno Taveira Torres é professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP e advogado. Foi vice-presidente da International Fiscal Association (IFA).
publicado originalmente: CONJUR