No terceiro artigo da coluna, o advogado Marco Aurélio Panadés Aranha aponta lições decorrentes dos fatos recentes envolvendo as empresas GameStop nos Estados Unidos e o IRB-Brasil Resseguros S.A. (IRB) no Brasil
A vida é profícua em ensinar lições valiosas (basta ficarmos atentos a elas) e no mercado financeiro isso também ocorre.
O assunto pensado originalmente para este 3ª artigo seria outro. Entretanto, é impossível ficar inerte diante dos fatos da semana passada envolvendo as empresas GameStop nos Estados Unidos e o IRB-Brasil Resseguros S.A. (IRB) aqui no Brasil.
Comecemos por explicar o que houve.
Caso americano: GameStop
Em janeiro de 2020, as ações da empresa americana GameStop estavam precificadas em média abaixo de US$ 6,00. Cerca de 1 ano depois, exatamente no dia 28/01/2021, elas ultrapassaram os US$ 460,00, com a maior parte da valorização concentrada no mês de janeiro 2021, porquanto as ações iniciaram este ano precificadas em menos de US$ 20,00.
Esse movimento brutal e atípico aconteceu decorrente do “ativismo” de um incontável número de investidores individuais integrantes do r/WallStreetBets, uma comunidade da rede social Reddit, que forçaram a subida da ação por meio de compras maciças (e, tudo indica, coordenadas) em um curto período, obrigando os investidores institucionais vendidos a “zerarem” as suas posições em um fenômeno chamado de short squeeze.
Para entender: é possível operar comprado (long) ou vendido (short) em ações. No primeiro caso, o investidor adquire uma ação esperando uma alta do papel para vendê-lo com lucro no futuro. No segundo, o investidor aluga as ações de outro investidor (pagando um prêmio de aluguel) e vende o papel esperando recomprá-lo a um preço mais baixo no futuro e encerrar a locação, obtendo assim lucro. Ou seja, quem opera comprado acredita na valorização da ação, enquanto quem opera vendido crê na sua desvalorização.
Adicionando uma pitada de controvérsia ao caso GameStop (que ocorreu também com outras ações de empresas americanas recentemente como AMC e Nokia), a Corretora americana Robinhood restringiu unilateralmente as negociações das ações em 28/01/2021, sob a justificativa de que, com a maior movimentação de papéis, o valor exigido pelas câmaras de compensação aumentou cerca de dez vezes semana passada, exigindo depósitos expressivos[1].
O caso como um todo deverá ser investigado pelas autoridades de mercado americanas.
Caso brasileiro: IRB
Inspirados pelo episódio estadunidense, investidores tentaram implementar uma “estratégia” parecida de short squeeze com as ações do IRB-Brasil Resseguros S.A. (IRB) na B3, fazendo com que apenas no dia 28/01/2021 os papéis subissem mais de 17% sem base em nenhuma notícia ou fato relevante que impactasse os fundamentos da empresa.
E por que o IRB? Cabe lembrar que no dia 2 de fevereiro de 2020 (antes do impacto da Pandemia no mercado de ações brasileiro), um documento de 154 páginas foi divulgado pela Gestora Squadra justificando o motivo pelo qual ela havia montado uma forte posição vendida em IRB, desencadeando uma forte queda das ações a partir de então.
Nesse contexto, o IRB seria uma empresa de capital aberto na Bolsa com “realidade” próxima das empresas americanas tratadas acima, ou seja, com enorme quantidade de posições vendidas e a reputação recente abalada.
Repercussão junto à CVM e à B3
A situação foi tamanha que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu em 29/01/2021 um Alerta Público[2] em seu site intitulado “possível atuação irregular de pessoas em mídias sociais, com vistas a influenciar o comportamento de investidores. Práticas podem caracterizar infrações administrativas e penais”, mesmo dia em que a Bolsa de valores brasileira (B3) submeteu as negociações dos ativos e dos derivativos do IRB a leilão dali por diante[3].
Na prática, isso significa que as negociações dos ativos do IRB foram submetidas a um procedimento especial para maior fiscalização dos órgãos reguladores sobre as transações realizadas e para evitar distorções artificiais de preços e volumes financeiros.
E quais lições podemos aprender com tudo isso?
Lição nº 1: invista em empresas lucrativas e, preferencialmente, com vantagens competitivas claras
Empresas com lucros consistentes ao longo do tempo e claras vantagens competitivas (escala; propriedade intelectual; acesso a recursos exclusivos; switch cost; entre outras) tendem a uma menor probabilidade de sofrer eventos atípicos como vimos acima (o que não significa necessariamente menor volatilidade do ativo).
Lição nº 2: se investir em ações com perfil de maior de risco, aplique um percentual bem pequeno do seu capital
O risco faz parte de qualquer investimento, mesmo o conservador. Por isso que geri-lo é fundamental.
E uma das formas mais intuitivas de fazer isso é definir os percentuais adequados em cada um dos ativos em sua carteira, alocando percentuais maiores para aqueles mais seguros e percentuais menores para os que embutem maior risco.
Lição nº 3: oscilações de preço de curtíssimo prazo não devem influir nas decisões de investimentos de longo prazo
Os preços dos ativos negociados no mercado de capitais oscilam diariamente e, em momentos de crise (como se viu em março de 2020), podem apresentar enorme volatilidade.
Decisões de longo prazo devem ser calcadas em fundamentos financeiros, de mercado e do negócio em si que não mudam de um dia para o outro. Não se pode confundir a oscilação dos preços das ações com a dinâmica da economia real.
Lição nº 4: é possível controlar apenas o seu comportamento como investidor, não o dos outros investidores (sejam eles individuais, estrangeiros ou institucionais)
Tenho como certo de que o maior desafio do investidor de longo prazo é superar a si mesmo e não necessariamente o mercado (conjunto dos compradores e vendedores).
Se um bom ativo estiver disponível para compra a um preço descontado, ele deve ser adquirido se houver alinhamento com a sua estratégia de investimento. Mas não é possível forçar o mercado a isso. Igualmente, não é possível vender um ativo por um preço que os potenciais adquirentes não desejam embolsar.
Desse modo, controlar o seu próprio comportamento como investidor é o que basta para o seu resultado.
Lição nº 5: compre ações com boa margem de segurança
Preço importa! Por mais que o ativo seja bom, eficiente, tenha potencial e seja desejado, não se pode pagar qualquer preço por ele. É preciso adquiri-lo com uma razoável margem de segurança, ou seja, com percentual abaixo do que seria o seu valor justo.
O motivo para isso é muito simples: ninguém é onisciente. Há informações ignoradas ou difíceis de compreender. Tal circunstância em si já imbui um risco que pode e deve ser compensado pagando-se um preço menor pelo bem investido.
Lição nº 6: escolha uma Corretora confiável
As restrições impostas unilateralmente pela Robinhood servem de aviso. Nenhum investidor deseja ser limitado no seu intento de negociar ações ou qualquer outro valor mobiliário, seja para se desfazer deles ou para os adquirir.
Uma Corretora confiável é essencial para se investir, a qual deve observar estritamente a legislação em vigor, as autorizações e as determinações dos órgãos reguladores de mercado, além de fornecer uma plataforma eficiente e segura para a execução das transações financeiras. Afinal de contas, ela lida com o seu dinheiro!
Conclusão
Investir é uma prática que implica a assunção de riscos que não devem e não podem ser evitados. Os órgãos reguladores do mercado financeiro americano e brasileiro dirão no futuro se algum ilícito foi cometido nos episódios narrados.
De qualquer modo, fica aceso o sinal de alerta: em tempos de redes sociais, é preciso tomar muito cuidado antes de engajar-se em “projetos” desconhecidos que, a princípio, parecem sedutores, mas que podem rodear condutas vedadas pela legislação em vigor.
Investir no mercado de capitais pode propiciar grandes vantagens no longo prazo. Todavia, dissabores no curto (ou curtíssimo) prazo são inevitáveis.
Há insider traders e manipuladores no mercado? Sem dúvida, o passado já demonstrou isso. Mas tal circunstância não torna o investimento em renda variável um cassino. Muito pelo contrário: aconselha prudência, análise profunda de cenários, de setores e de ativos e uma atuação racional (baseada em evidência) antes de consumar qualquer investimento.
Há mecanismos de proteção de risco disponíveis para qualquer investidor suportar turbulências no trajeto e auferir ganhos razoáveis no longo prazo: podemos citar ilustrativamente a reserva de emergência, a reserva de oportunidade, a margem de segurança, a compra de PUTs para proteção do portfólio de ações, a diversificação de carteira, entre outros.
Apresentaremos os conceitos de algumas ferramentas de controle de risco com o tempo. E sobre risco, gosto de dizer que o maior de todos é o de não investir.
Dúvidas, críticas ou sugestões, escreva para o e-mail colunainvestimentosemercados@advocef.org.br. Esse é um espaço aberto a todos e sua colaboração é fundamental. Invista no seu futuro aprendendo a investir!
Marco Aurélio Panadés Aranha
Investidor há mais de 10 anos do mercado de capitais
Formado em Administração pela FGV e Direito pela USP
@marcoaurelioparanha (Instagram)
Advogado
[1] Disponível em https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-alerta-possivel-atuacao-irregular-de-pessoas-em-midias-sociais-com-vistas-a-influenciar-o-comportamento-de-investidores. Acesso em 29/01/2021.
[2] Disponível em http://www.b3.com.br/pt_br/noticias/negociacao-de-irbr-a-partir-de-29-01-2021.htm. Acesso em 29/01/2021.
[3] Disponível em http://www.b3.com.br/pt_br/noticias/negociacao-de-irbr-a-partir-de-29-01-2021.htm. Acesso em 29/01/2021.