Calma, calma… eu não desejo que nada de ruim aconteça e menos ainda contigo, caro leitor. Mas a pergunta é pertinente.
A vida muitas vezes coloca-nos em um “jogo” no tempo da prorrogação com morte súbita… um único e surpreendente evento (bem diferente de um gol) define toda a situação, às vezes da pior maneira possível para nós. É isso o que pretendo transmitir com a ideia de adversidade.
Pode ser uma situação de desemprego involuntário, um acidente que nos retira a capacidade laborativa, uma doença grave que nos debilita, uma pandemia, uma mudança legislativa que compromete os planos futuros de aposentadoria, uma enorme desvalorização da moeda que corrói nosso poder de compra. Enfim, são inúmeras as circunstâncias potenciais.
A pandemia de covid-19, recentemente, foi nefastamente didática ao ensinar-nos uma valiosa lição: a importância de termos uma RESERVA DE EMERGÊNCIA. Este é o tema do dia.
Há dois anos, quem em sã consciência poderia prever que estaríamos vivendo a maior pandemia dos últimos 100 anos, com milhões de mortes, sistemas de saúde em colapso, lockdowns decretados nas maiores economias do planeta, dezenas de milhões de desempregados, explosão da dívida pública dos países, deflação seguida de inflação, falência de centenas de milhares de empresas…
Pois é, aquela conversa “chata” de planejador/consultor financeiro sobre a necessidade de constituir uma reserva de emergência antes de começar a investir provou-se verdadeira.
Aliás, há duas premissas bastante importantes para quem deseja iniciar na vida de investidor: NUNCA SE ENDIVIDAR PARA INVESTIR e CONSTITUIR UMA RESERVA DE EMERGÊNCIA COMO PRIMEIRO PASSO.
É muito difundido o conselho de que uma reserva de emergência deveria ser suficiente para cobrir no mínimo os gastos mensais por um período de seis meses.
Faz sentido essa referência (na média), mas quem deve responder qual é esse período mínimo é você, caro leitor, porquanto há vários fatores que dependem exclusivamente de circunstâncias pessoais.
A um profissional liberal com uma renda variável e muitos clientes parece conveniente que a reserva de emergência o sustente por um período maior, talvez por 12 meses? Já um servidor público estatutário com estabilidade e que usufrua de uma rede de proteção de seguridade social pode dar-se ao luxo de um período menor até do que seis meses? Reflita sobre isso.
Além do tipo de trabalho desempenhado e da dinâmica de renda e proteção social, devem ser sopesadas nessa decisão condições pessoais: você é arrimo de família? Satisfaz os gastos eventuais de terceiros (como um familiar doente, por exemplo)? A qualidade dos seus gastos é majoritariamente de natureza fixa ou variável? Há alguma facilidade de adaptação a outro ramo econômico caso se torne inviável o setor em que você atua? Qual é o seu nível atual de empregabilidade?
Valer-se de uma única fonte de renda revela uma circunstância bem mais frágil do que se servir de múltiplas fontes.
Na obra Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos, NASSIM N. TALEB traz um exemplo salutar a esse respeito[1]:
“Considere o destino de Ioannis (John) e Georgios (George), irmãos gêmeos idênticos, nascidos em Chipre (ambos), atualmente residentes na área da Grande Londres. John está empregado há 25 anos como funcionário do departamento pessoal de um grande Banco, lidando com a realocação de funcionários em todo o mundo. George é taxista.
John tem uma renda perfeitamente previsível (pelo menos, é o que ele pensa), com benefícios, férias anuais de quatro semanas e um relógio de ouro a cada 25 anos de trabalho. Todo mês, 3.082 libras esterlinas são depositadas em sua conta bancária local do Nat West. Ele gasta a maior parte desse montante na hipoteca de sua casa na região oeste de Londres, nas contas e em queijo feta, e separa um pouco para suas economias. Ele costumava acordar nas manhãs de sábado, dia em que as pessoas se alongam e ficam rolando na cama, sem qualquer ansiedade, dizendo a si mesmo ‘a vida é boa’ – até que veio a crise bancária, quando ele percebeu que seu cargo poderia ser ‘desnecessário’. O desemprego o teria atingido brutalmente. Como especialista em recursos humanos, ele havia testemunhado implosões de longas carreiras, com pessoas que, demitidas aos 50 anos, nunca mais se recuperaram.
George, que mora na mesma rua de seu irmão, dirige um táxi preto – o que significa que ele obteve uma licença para a qual passou três anos expandindo seus lobos frontais, memorizando ruas e itinerários da Grande Londres, o que lhe dá o direito de pegar clientes nas ruas. Sua renda é extremamente variável. Alguns dias são ‘bons’, e ele ganha várias centenas de libras; outros são piores, quando ele não consegue nem cobrir seus custos; mas, ano após ano, ele faz, em média, aproximadamente o mesmo que seu irmão. Até o momento, ele só teve um único dia em sua carreira de 25 anos sem nenhum passageiro. Devido à variabilidade de sua renda, ele fica se lamentando por não ter a segurança profissional do irmão – mas, na verdade, isso é uma ilusão, pois sua segurança é um pouco maior.
Esta é a ilusão central da vida: que a aleatoriedade é arriscada, que é algo ruim – e que a eliminação da aleatoriedade é feita eliminando-se a aleatoriedade.
… A diferença entre as duas volatilidades de renda se aplica aos sistemas políticos – e, …, a quase tudo na vida. A suavização da aleatoriedade, inventada pelo homem, produz o equivalente à renda de John: tranquila, firme, porém frágil. Essa renda é mais vulnerável a grandes impactos que podem fazê-la zerar (além de alguns auxílios-desemprego, caso ele resida em um dos poucos estados de bem-estar social). A aleatoriedade natural se apresenta mais como a renda de George: um papel menor para os grandes impactos, mas uma variabilidade diária.
… John tem um grande empregador, George vários pequenos empregadores – e, assim, ele pode escolher os que se encaixam melhor a ele e, portanto, dispõe a qualquer momento de ‘mais opções’. Um tem a ilusão da estabilidade, mas é frágil; o outro tem a ilusão de variabilidade, mas é robusto e até mesmo antifrágil”.
Por fim, gostaria de deixar uma pergunta: a partir das histórias de vida de John e de George, você conseguiria responder qual é e por onde caminha a sua ilusão?
Trataremos oportunamente sobre os conceitos de fragilidade, robustez e antifragilidade. Por ora, pense sobre qual deve ser o montante de reserva de emergência mais adequado para a sua vida, caro leitor. Pode parecer pouco fazer isso, mas é um passo fundamental.
Dúvidas, críticas ou sugestões, escreva para o e-mail colunainvestimentosemercados@advocef.org.br. Esse é um espaço aberto a todos e sua colaboração é fundamental! Invista no seu futuro aprendendo a investir.
Marco Aurélio Panadés Aranha
Investidor há mais de 10 anos do mercado de capitais
Formado em Administração pela FGV e Direito pela USP
@marcoaurelioparanha (Instagram)
Advogado
[1] TALEB, Nassim Nicholas. Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos. Trad. Eduardo Rieche. 5ª ed. Rio de Janeiro: Best Business, 2017, pp. 115-118.