(Uma breve “provocação” positiva e construtiva aos advogados de departamentos jurídicos de empresas)
Muitos colegas advogados me perguntam sobre o primeiro passo para o advogado corporativo (que atua internamente nas empresas) conseguir realmente integrar-se às empresas, ser um parceiro de negócio dos demais executivos, ser respeitado e valorizado pelo empresário e, de forma geral, participar de fato do mundo empresarial/corporativo. Ou seja, ser um executivo da empresa e se possível tornar-se, até mesmo, estratégico… minha resposta é sempre a mesma – “Pense e atue como empresário! E use o seu conhecimento, experiência e força de trabalho no, e a favor do negócio”.
Um dos pontos mais complexos da atuação e da carreira dos advogados (internos) que atuam nos departamentos jurídicos das empresas (a meu ver) é perceber (“ter o estalo”) qual é o verdadeiro negócio em que atuam.
Há muitos anos venho perguntando, regularmente, aos meus alunos em cursos sobre “Gestão Jurídica Estratégica” (em cursos de especialização e de pós-graduação, assim como nos “MBA”s) acerca de seu negócio. E, invariavelmente, os advogados me respondem com referências às suas tarefas e às funções, esquecendo-se do verdadeiro negócio ao qual se dedicam e no qual atuam.
Fruto de nossa cultura, assim como da maneira como ainda formamos nossos advogados que depois se dedicam ao mundo corporativo (em especial os que atuam internamente nas empresas), e, também, em decorrência da relativa “juventude” do assunto entre nós, parece-me ser natural que essa questão ainda confunda ao menos a maioria dos advogados ligados ao direito empresarial chamado de corporativo (interno).
Advogados advogam, e nada há de errado com essa frase ou pensamento, mas é preciso ajustar todo um modo de encarar a profissão quando o profissional se integra uma empresa, pois adaptações profundas ao nosso modo de pensar, agir, atuar, trabalhar etc. são necessárias.
Advogados advogam sim, mas no mundo corporativo é que preciso que “antes” percebam e entendam que, nesse contexto, o seu negócio não é propriamente a advocacia, mas sim a advocacia inserida no negócio e na vida da empresa em que trabalham.
O negócio do advogado é a advocacia no seu escritório (de advocacia), mas apenas ali. No mundo empresarial e dos negócios, e na vida interna das empresas, o negócio do advogado é o mundo empresarial, e o advogado interno só terá vida longa e vitoriosa nesse contexto se entender qual é o seu papel.
Em quase 100% (= quase todos) os casos, os advogados das empresas “ainda” pensam como (“apenas”) advogados ao ouvir uma indagação dessas, e confundem o efetivo negócio ao qual se dedicam com suas funções e tarefas jurídicas.
Uma das maneiras que uso, nesses casos, para ajudá-los a perceber que a adaptação (primeiramente mental) é necessária, é questioná-los sobre o título de seus cargos nas empresas. E, com isso, convidá-los a refletir sobre a própria denominação que as empresas usam para esses cargos.
Começando pelo básico, procurar ajudar os advogados a “pensarem” como as empresas, buscando exemplos em casos bem simples e reais, como por exemplo o próprio nome dos seus cargos, ou a forma como as empresas procuram profissionais no mercado. Invariavelmente percebem, com o tempo, que a palavra “advogado” (como tal), só existe no mundo empresarial no início da carreira, bem no começo… Logo depois o “nome do cargo”, e com isso toda a mentalidade, a atuação, o que do profissional se exige etc. passam a ser diferentes.
Em resumo, apenas o “advogado Junior” é de fato um advogado (na empresa), pois logo depois a realidade e a empresa passam a dele buscar outras competências, que mudam totalmente o “jogo”.
Logo após os primeiros anos de atuação como advogado interno na empresa, o profissional é chamado a viver uma nova realidade, mais e mais ligada aos negócios, à vida empresarial, e ao mundo da gestão (no caso, gestão jurídica).
Os cargos de gestão nos departamentos jurídicos das empresas são costumeiramente denominados “supervisor jurídico”, “coordenador jurídico”, “superintendente jurídico”, “gerente jurídico”, diretor jurídico” ou “vice-presidente jurídico”. Notemos que em nenhum deles sequer aparece a palavra “advogado”.
Esse simples, mas fundamental, exercício busca mostrar, a quem ainda disso não se percebeu ou convenceu, que a empresa precisa, do profissional já um pouco mais experiente e “vivido” no mundo jurídico, de um gestor, e não mais “apenas” de um advogado.
A reflexão que com isso se propõe (e a consequência lógica a que dela chegamos) é no sentido de que “tudo muda” no tocante ao ponto de partida na carreira do gestor jurídico interno.
Ao seguir na carreira e deixar de ser um “mero” advogado, o profissional vai ganhando novos desafios, sendo cobrado por outras questões, precisando de novas competências etc.
Isso porque, do ponto de vista da empresa, notamos que até mesmo no simples “título do cargo” do gestor não consta a palavra advogado, mas sim algo no tocante à gestão jurídica (seja qual for a primeira palavra do título/cargo, a segunda será sempre “jurídico” e não “advogado”).
Pensem, e muito, nisso!!!
O que a empresa procura em seu gestor jurídico interno, e em quem a esse cargo almeje, é que esse profissional tenha sim excelência em termos do direito, que seja sim um excelente advogado, mas que use seu conhecimento e sua experiência em favor do negócio (que é o da empresa!).
Com isso, o que precisa ficar claro ao advogado de uma construtora, de uma rede de varejo, de um banco, de uma companhia aérea, de uma empresa de telefonia, ou de uma de energia, e assim por diante, é que o negócio da empresa (e por consequência o do departamento jurídico, e com isso o do advogado) é (conforme o caso) a construção, a rede de varejo, o mercado financeiro/bancário, a aviação, a telefonia ou a energia (nos exemplos acima) e assim por diante. O negócio da empresa (e, portanto, o dos seus executivos e o dos profissionais, e também o de suas áreas, unidades e departamentos – inclusive o departamento jurídico) não é o direito!!
O advogado interno da empresa precisa, então, entender, que o negócio dele é o da empresa. E que o advogado interno só consegue de fato participar da empresa (e ajudar de fato o negócio, integrando-se realmente a ele e ao grupo) se entender mesmo do negócio, especializar-se no negócio, viver o negócio, respirar os negócios etc. – como o fazem os empresários.
A ideia é tentar ajudar o profissional a perceber que (na empresa), cuidar dos assuntos jurídicos da empresa em que ele trabalha é apenas a tarefa ou a função dele, que da noção de negócio decorre. Ou seja, o advogado não “está ali” para necessariamente vencer processos, ou para redigir contratos “lindos”, e nem mesmo obrigatoriamente derrotar advogados de outras empresas ou de escritórios de advocacia. O empresário (e com isso a empresa) não busca necessariamente o direito ou a justiça, mas sim o desenvolvimento dos negócios.
O colaborador jurídico da empresa deve auxiliar seu empregador a conseguir a melhor gestão possível dos riscos envolvidos, buscar a possível segurança jurídica e ajudar a conseguir os melhores negócios e resultados (inclusive lucros) que forem possíveis, dentro da ética e da lei. Esse é o “trabalho” do jurídico interno atual.
O advogado interno não existe necessariamente para defender os direitos da empresa a qualquer custo e acima de qualquer outro critério. Repetimos – o advogado interno não está na empresa para “necessariamente” ou “apenas” advogar. Ele existe para ajudar a empresa a (dentro da lei e da ética) ganhar dinheiro e cumprir o seu objeto social, atuando (com segurança jurídica) no seu negócio!!
Para alguns (os que já tiverem percebido tudo isso, e que, assim, já estiverem inseridos efetivamente no mundo da advocacia empresarial corporativa) esse raciocínio certamente parecerá óbvio e natural, sem qualquer novidade ou complexidade, mas para outros, infelizmente, esse conceito e forma de entender a questão pode ser sim novidade e até mesmo uma revolução. É até possível que alguns com esse raciocínio não concordem e entendam, contrariamente, que o advogado não se deva adaptar a questões como essas. Todas as posições serão aqui respeitadas!!
Entendo ser fundamental que o advogado não pense que com isso está abrindo mão de sua profissão ou de seus ideais, e muito menos que com isso é menos advogado do que os seus colegas que atuam em escritórios, e ainda, que não pense que está traindo ou se esquecendo do seu juramento de advogado. Nada disso!! A atuação do advogado interno é tão ou mais importante do que a atuação do advogado externo, do ponto de vista empresarial, sendo, apenas, diferentes!
Como costumo dizer aos meus alunos, uma das primeiras coisas a fazer quando se é convidado a “jogar” um novo jogo (com o perdão do necessário pleonasmo) é entender as regras do referido jogo. Primeiro temos que entender o jogo, para então podermos decidir se queremos ou não participar dele, se queremos ou não “jogá-lo”.
Assim, é claro que ao advogado é dado e legítimo escolher e decidir se quer ou não “jogar esse jogo” do mundo empresarial, mas, se decidir jogar, são essas as regras….
Da mesma forma como aprendemos na faculdade de direito, que o curso é extremamente eclético e que com a sua conclusão um leque enorme de opções de profissões a carreiras se abre, sendo que não existe hierarquia entre elas, sendo todas as profissões e carreiras do mundo jurídico igualmente nobres, importantes e respeitadas, acontece com o advogado que se vê diante do dilema de trabalhar em empresa ou em escritório.
Cada uma dessas profissões e carreiras tem as suas características e peculiaridades, tendo o universo dos departamentos jurídicos as suas também.
Essa simples ou complexa/radical (conforme o caso) adaptação mental à qual convido o advogado que se quer dedicar a esse mundo (corporativo) é fundamental para que (depois) ele consiga entender a razão das decisões empresariais a que será levado (e cobrado) a tomar; e que nem sempre um advogado “tradicional” e não adaptado ao mundo empresarial talvez tomasse.
A faculdade de direito ainda ensina o futuro bacharel a pensar “apenas” o direito e a justiça, de forma independente e autônoma, ou seja, sem o ajuste que o mundo das empresas exige. E, com isso, o advogado é, mais tarde, levado a querer sempre vencer, sempre ganhar processos, por exemplo. E nem sempre será esse o objetivo da empresa ao contratar os seus serviços.
A empresa quer que seu advogado a ajude a desenvolver o seu negócio, e que para isso “cuide” das (e gerencie as) questões jurídicas que afetam o negócio, viabilizando o que a empresa quer e precisa fazer (dentro da lei e da ética, e com segurança jurídica).
O mundo corporativo quer e precisa do risco (o que às vezes é também difícil ao advogado tradicional entender), que precisa ser gerido (e não necessariamente evitado) pelo advogado interno. E é esse o “trabalho” do advogado interno – gerir riscos e ajudar a empresa a exercer o seu papel, o seu negócio.
Dessa realidade decorrem, porém, questões complexas como relatórios gerenciais de processos, políticas de acordos, políticas negociais e contratuais, gestão de risco etc. que podem assumir um determinado grau de risco em função dos objetivos do momento e do contexto, bem como podem haver parcerias em alguns negócios com outras empresas que são partes contrárias em processos em outros assuntos, e assim por diante. Ou seja, é uma realidade bem complexa!!
Portanto, advogado corporativo, a recomendação que aqui se pretende passar a você é que quando perguntado sobre qual é o seu negócio (se aceitar a sugestão deste breve texto) responda que o seu negócio é o negócio da empresa em que atua. E é sobre esse negócio (e não “apenas” sobre direito) que você precisa saber e entender “tudo”.
Você (advogado corporativo) deve ser, com o tempo, especializado no negócio da sua empresa (e não apenas em direito) e deve buscar experiência e também conhecimento, informação e formação nesse negócio.
No início da carreira do advogado que às empresas se dedica, enquanto ainda se espera dele a postura do advogado, o conhecimento do direito é fundamental e os possíveis cursos jurídicos podem ajudar muito.
Nesse começo, procurar especializações e complementos em sua formação que ajudem a preparar o advogado para as etapas seguintes de sua carreira é uma ótima ideia.
Com o passar dos anos e das etapas da carreira, é cada vez mais recomendável que o profissional vá buscando conhecimento e experiência (e com isso também formação em termos de cursos etc.) no negócio da empresa (para dele tentar conseguir entender) e, também, em gestão.
Prosseguindo, ainda pretende, este artigo, atingir positivamente, também, o advogado externo, dos escritórios que prestam serviços às empresas, pois o “jurídico” da empresa (interno mais externo) precisa e deve atuar como time, como uma equipe, sendo fundamental o seu alinhamento e semelhança de raciocínio, mentalidade e atuação.
Quanto mais os advogados (internos e externos) conseguirem pensar e agir como empresários, usando sua experiência e conhecimento jurídicos NO negócio das empresas (que será também o deles), melhor será o seu serviço e mais inserido no negócio eles conseguirão ser.
Finalizando, tanto o advogado interno, quanto o externo (no contexto de bem atender o seu cliente e de ser um parceiro do advogado interno), precisam entender qual é o negócio a que se dedicam e como podem de fato ajudar a empresa a alcançar os seus objetivos.
Assim, qual é o seu negócio??
(artigo gentilmente cedido pelo autor)
– Advogado, consultor, professor e pesquisador em negócios jurídicos, especializado e direito empresarial;
– Mestre em Direito Norte-Americano e em Jurisprudência Comparada pela New York University School of Law;
– Pós-Graduado em Administração, Economia, Gestão de Serviços Jurídicos e Law & Economics pela FGV-SP;
– Experiência profissional adquirida em diversas instituições, tais como: Unisinos/RS; Escola Paulista de Direito (EPD); Fundação Getúlio Vargas (FGV); Demarest e Almeida-Advogados; Sullivan & Cromwell;
– Fundador do Centro de Estudos de Administração de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos-CEAE; Membro: Comissão Especial de Departamentos Jurídicos da OAB/SP, IASP, IDSA, IBGC e FDJUR;
– Integrante e conselheiro de inúmeras instituições, no Brasil e no Exterior, tais como: FIESP, Fecomércio/SP,CRA, IBA, ABCNY, CESA, IDSA, IBEF, ABPI, ASPI;
– Autor, coordenador e co-autor de várias obras publicadas sobre direito societário, empresarial e gestão jurídica.
Ainda que longo, o artigo propõe uma boa reflexão – ainda que óbvia – sobre o nosso papel corporativo e o direcionamento de nossa capacitação como advogados de uma empresa.